domingo, janeiro 30

Estado Policial? Nada disso, Estado para Bandido! 

 

 

É comum haver, quando da ocorrência de ações das forças de segurança ou eclosões de investigações, vozes a apregoar que se está a viver em um “Estado policial”.
Quebram-se sigilos telefônicos e se descobrem falcatruas e corrupção em primeiros escalões do executivo, legislativo e judiciário e pronto... ‘estamos vivendo um Estado policialesco!”
Enfrenta-se o aparente fim dos tempos, em que bandidos há décadas formam uma outra nação, à margem da soberania brasileira, com agentes do Estado finalmente a intentar ações perante traficantes e a mais variada ordem de criminosos e pronto.... “é preciso ver que não se combate o crime com um Estado policial!”
O advogado de César Battisti, conforme narra a Folha de S.Paulo, diz que a manutenção da prisão de seu ‘cliente’ pelo Supremo Tribunal Federal é “golpe de Estado”. 
E eis que, de lavra do Ministério da Justiça, surge publicado no último dia 03 de janeiro, no Diário Oficial da União, a Portaria nº 4.226, que “estabelece as diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública”.
O que?
É isso mesmo!
Após se falar tanto em necessidade de prevenção e repressão a criminalidade, o Ministério da Justiça preocupa-se com... a força de agir dos agentes de segurança!
Se é certo que todo abuso e violação de direitos devem ser coibidos (e já há instrumentos para isso!), por quê o governo, justamente no momento em que toda a nação clama por medidas frente a insustentável situação em que vivemos, ao invés de otimizar idéias e normas para tais fins, vem a público cuidar de:
Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo 2 (dois) instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.” (item 8, do Anexo I).
Essa portaria é realmente para os criminosos... ops...cidadãos brasileiros?
Imagina o perfil e mobilidade do policial com essa tralha toda (ah, talvez por certamente só usar uma montblanc no bolso da camisa e um celular no terno os autores não pensaram que tudo isso se torna, numa corrida atrás do bandido..ops.. ’cidadão em conflito com a lei’, um tralha, sim!)
E quantos serão os agentes que irão ter que assim agir?
Só os que forem enfrentar o crime!! ‘Só’ isso!
Ah, os que estiverem agregados a gabinetes para funções burocráticas não! Ah bom!
E essa:

“Os chamados "disparos de advertência" não são considerados prática aceitável, por não atenderem aos princípios elencados na Diretriz n.º 2 e em razão da imprevisibilidade de seus efeitos” (item 6, do Anexo I).

‘Não são considerado ‘prática aceitável’?
 Talvez dentro de um gabinete, com vasos de decoração e possibilidade da copeira entrar com o café, talvez não seja mesmo...
Outra:


“O ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada. (item 7 do Anexo I)”


Prática rotineira? Indiscriminada? Avisaram os criminosos, então, para se dividirem em criminosos bonzinhos, mansos, maus e muito maus, e, claro, para já irem se identificando nessa classificação, quando abordados em amórficas visualizações noturnas, em bando, com mãos escondidas sob vestes ou carros com insulfilm?
Mais uma:


“Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave”. (item 3 do Anexo I)”

Ah é? Podia em outra situações?
Ah, é porque como são ‘agentes públicos’, nas linhas de Direito Administrativo (veja essa de onde estiver, mestre Hely Lopes Meirelles), só podem fazer o que prevê a lei, diferente do bandido..ops..cidadão, que pode fazer tudo o que não é vedado pela lei... (desculpe a piada...eles que começaram! Ah, não é piada?)

Outra parte:

“Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros”(item 5, do Anexo I).

Essa é realmente de uma capacidade ímpar, aliada a um empirismo que só pode ser produto de quem não sai às ruas há décadas...ou precisa parar de ler revistas suíças, norueguesas...
Então, ‘mesmo que na posse de algum tipo de arma’, se o bandido..ops...cidadão, não representar risco imediato de morte ou lesão grave, o policial não poderá fazer uso de armas? 
Como atuei algumas vezes – nas ruas sim - com os corajosos policiais que ainda honram valores abandonados por alguns proxenetas intitulados defensores de direitos que na verdade só estão a buscar colocações e cargos (melhor respirar... apagar..voltar...reescrever..pronto...melhor assim... cortei os termos mais.. digamos... vulgares), fico a me indagar como tais doutores chegam a conclusão do que será um bandido..ops..cidadão, após praticar um assassinato, um latrocínio, um estupro, com uma arma de fogo em punho, com diversas situações possíveis nesta vida terrena, e assim traçar uma norma tão estanque?

Por fim, só para demonstrar a ‘tônica’ da ‘mensagem’:

“Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa(s), o órgão de segurança pública deverá realizar as seguintes ações: iniciar, por meio da Corregedoria da instituição, ou órgão equivalente, investigação imediata dos fatos e circunstâncias do emprego da força” (item 11, do Anexo I).

Bom, independentemente dos termos, aberrações e até mesmo teratológicas construções normativas contidas em referida Portaria, o que mais chama atenção  - negativa atenção – é ver que, se é certo que abusos e violações de direito devem ser evitados e punidos, sob pena de se ver garantias constitucionais aviltadas por quem deveria preservá-las, também é certo dizer que lançar no mundo jurídico e de segurança uma norma que tem ‘como alvo’ os agentes de segurança’, limitando suas ações, restringindo suas condutas, assustando-os com menção de que seus atos serão levados sempre à Corregedoria, em um momento em que o crime avança, a impunidade indigna, a violência cresce, no mínimo essa Portaria se posta inoportuna, anacrônica, constituindo-se em flagrante tiro contra as poucas forças que ainda restam contra a criminalidade!
Aliás, sendo um tiro, o Ministério da Justiça avaliou previamente as conseqüências, assim como está a exigir de seus agentes? Pois é... talvez tenham dado 18 horas e sem café não dá, não é mesmo?!
Triste país...

sábado, janeiro 29

Júri popular para corruptos? 

Em meio a maratona de júris neste mês de janeiro, um jurado me indagou porque não haver, também, o julgamento de corruptos pelo Tribunal do Júri.
Antes que dissesse algo, ele se antecipou dizendo que sabe da previsão constitucional, ordem normativa e tal, e que gostaria era de saber minha opinião, já que – em suas palavras – “não dava nada esses processos contra os corruptos e, assim, porque não deixar o povo julgar os larápios.”
Passados alguns dias, eis que a questão ficou a me perseguir, haja vista a intensa carga de valores e conceitos, aliada ao sentimento de um cidadão – escolhido juiz naquele julgamento contra a vida – estando a demonstrar querer fazer o que ele entendia por Justiça.
O que ocorreria se, assim como ocorre nos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida (homicídios; indução, instigação e auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto), fossem escolhidos 07 (sete) pessoas do povo, para julgarem os crimes de corrupção e colarinho branco?
Lembrei-me de ter lido, há algum tempo, uma digressão do renomado advogado paulista Valdir Trocoso Peres, na obra da também destacada promotora Luiza Nagib Eluf (“A paixão no banco dos réus”).
Procurei, procurei...achei.
Eis o que fala um dos maiores advogados do Tribunal do Júri, com a experiência de mais de 50 anos de atuação (repito: atuação):
“(...) para mim, o ideal seria julgar tudo, sobretudo políticos corruptos. Se você desse para o povo julgar, você ia ver que eles não estavam atrás de ponto-e-vírgula, atrás de dialética. Se fosse dado ao Júri julgar alguns políticos do Brasil, eu te daria agora o resultado.” (p. 185, da edição de 2002).
Interessante esse posicionamento partir de um dos maiores advogados criminalistas do país.
Algumas pessoas chegam a dizer que haveria o empecilho de se levar para pessoas ‘leigas’, questões de natureza‘técnica’, inerentes a alguns crimes de corrupção.
Bom, só para ‘por lenha na fogueira’ das discussões, o que se diz então de, no atual júri, levar aos jurados questões como ‘inexigibilidade de conduta diversa’, ‘legítima defesa putativa’, ‘semi-imputabilidade’, etc?
E o que dizer sobre os julgamentos em que há crimes conexos, ou seja, aqueles casos em que, por haver conexão com um crime de competência do júri, são julgados também pelos sete jurados ditos leigos todos e qualquer tipo de crime ‘comum’?
Por que aí, atualmente, eles podem julgar? Então já há possibilidade? Pois é...
Outra questão interessante é lembrar que, caso o corrupto seja um político, haveria o julgamento justamente por aqueles que o elegeram...
Afinal, não é comum escutar a falácia “fui eleito pelo povo, que me colocou aqui pelo voto democrático”, como se a escolha inicial não tivesse mais volta, como se a sua eleição lhe concedesse imunidade para corromper e ser corrompido?
Pois é, no mínimo seria interessante ver esses senhores e senhoras escolhidos para representar ‘o povo’, agora sendo julgados ‘pelo povo’, para ver se realmente ‘o povo’ que os escolheu está a concordar com os desvios de dinheiro que deveriam ser aplicados na saúde ‘do povo’, educação ‘do povo’, moradia ‘do povo’, etc!
O que o ‘povo’, como juiz, no caso de corrupção, votaria?
Aliás, novamente algo interessante: os 07 (sete) jurados, a cada quesito (questionamento), deve ‘votar’, com uma cédula escrita ‘sim’ ou ‘não’.
No fundo, é um voto.
Nesse caso, seria submeter o corrupto, então eleito por ‘um voto’, a um novo ‘voto’...
Sofismas a parte, no mínimo interessante...
Ah - indagaria outro - mas poderia haver esquemas, conchavo nas escolhas dos jurados, pressões, etc?
Ora, e no atual sistema, não há pressões? Não se descobrem vez ou outra ‘esquemas’?
Que se puna, que se investigue, que se fiscalize, não é mesmo? Pois é...
Mas, pela brevidade que deve nortear textos em blogs, fica ‘apenas’ lançada a questão.
No mínimo, interessante...
E aí?

sexta-feira, janeiro 28

Os ecos da vida em sociedade
 
Acabo de receber o relatório da Ouvidoria do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, referente às diversas reclamações, elogios e informações prestadas pela população do Estado, durante o ano de 2010.
O relatório, de lavra do laborioso e experiente promotor de justiça Celso Botelho, consegue condensar em gráficos e números as principais queixas da população, e, porque não dizer, os assuntos e questões que estão mais a ensejar atenção ‘das autoridades’ e da própria população, na linha do ‘respeito mutuo’ e ‘solidariedade’.
Isso porque, conforme se infere dos casos relatados, muitas das questões estão diretamente ligadas a condutas e posturas que, caso houvesse bom senso, razoabilidade, respeito ao próximo, educação e sentimento de solidariedade, certamente não chegariam aos ouvidos do promotor.
Vale citar alguns exemplos de ‘denúncias’.
No meio ambiente, a maioria das denúncias são referentes a poluição sonora. A quantidade de reclamações sobre os abusos de som por parte da população que não respeita seus semelhantes simplesmente é três vezes maior do que a segunda reclamação mais realizada, a de poluição material ao meio ambiente. Seguem depois maus tratos a animais, desmatamentos, etc.
No Patrimônio e Improbidade, as denúncias ligadas a improbidade administrativa (porque não dizer, corrupção de um modo geral), são simplesmente seis vezes maior que o número de denúncias frente a danos ao patrimônio público.
Na Cidadania, em primeiro lugar aparecem – de forma quatro vezes maior que o segundo – as reclamações frente à saúde, seguida de ofensa aos direitos dos idosos, deficientes, entre outros.
No Criminal dispara em primeiro o tráfico de drogas, seguindo-se de condutas de prevaricação, violência à pessoa (incluindo as agressões às mulheres), contravenções, etc.
Na Infância e Juventude o ápice se refere a maus tratos a crianças e adolescentes, seguindo-se de exploração sexual, atos de violência e violação de direitos fundamentais, etc.
No Consumidor está a comercialização indevida de produtos, seguido de produtos irregulares.
E assim por diante...
Como se vê, boa parte das reclamações poderiam – como quase todas as condutas lesivas aos direitos das pessoas – serem evitadas houvesse por parte do ser humano respeito não apenas às leis; mas, sim, respeito ao bem estar das outras pessoas, ética, valorização do bem público, sentimento de solidariedade, carinho e auxilio às pessoas vulneráveis e em desenvolvimento, enfim, se houve maior respeito à vida.
Na linha do interesse próprio ou da falta de noção de que um direito só pode ser exercido se houve respeito ao dos demais cidadãos, legião de pseudocidadãos fomentam uma barbárie pontual e cotidiana que, caso não enfrentada diuturnamente, podem ensejar verdadeiro caos à vida em sociedade.
É por isso que, ante críticas e discursos de gabinete ou tablados acadêmicos, tem-se que enquanto não são implementadas medidas voltadas à efetivação dos direitos e garantias fundamentais e políticas públicas estampadas na Constituição Federal, a prevenção e repressão aos delitos ainda será o mecanismo necessário para se evitar o caos.
Não fosse ‘segurar a barbárie’, você não estaria a se valer do seu patrimônio (computador) para ler esse texto, não teria saúde para pensar sobre essas idéias, não teria ar limpo suficiente para dar um suspiro reflexivo, não teria um copo d’água gelada para refrescar a garganta já seca, etc etc
Muito se fala em conscientização. Mas, é possível falar que falta conscientização à alguém nessa vida de acesso diário e intenso à informação, referente à proibição de perturbação do sossego de quem trabalha o dia inteiro e só tem as poucas horas da noite para se recompor?; de não roubar o bem adquirido honestamente e com suado trabalho do outro?; de não tocar fogo em matas ou lançar lixo em rios porque vai destruir o meio ambiente, causar enchente em sua rua, tornar a água e comida imprestáveis ou escassas e mais caras?; de que a vida daquele ser humano lançado ao chão do hospital ou mandado de volta para a casa com dores e sem medicamento é, afinal, uma vida..e que bem poderia ser ele ou uma pessoa querida?; que além de proibido o fato de desviar dinheiro público está a tirar da escolas milhares de crianças por falta de vagas, a matar idosos por falta de abrigos, a lesionar mulheres por falta de proteção, a causar acidentes por falta de conservação em rodovias, a propiciar aumento de criminalidade por falta de proteção e sistema de aplicação de leis?
Enfim, houvesse maior respeito ao próximo, bom senso, razoabilidade e solidariedade, e a vida seria bem melhor.
Frente ao tamanho da sociedade em que vivemos e ante a terrível situação em que estamos, se pudermos ao menos cultivar e valorizar tais sentimentos e condutas aos que nos rodeiam, acredito que possa haver esperança e, porque não dizer, uma resistência ao caos.
Caso errado, ao menos não colaborarei para o domínio dos bárbaros, sejam eles ditos simples ou de sobrenomes, sem tetos ou de mansões, desempregados ou multimilionários, comuns ou autoridades, antipáticos ou boa-pinta...

quarta-feira, janeiro 26

O Estatuto da Criança e do Adolescente chega à aldeia indígena
 

A história ocorre na Aldeia Amambai, uma das maiores concentrações de indígenas do País e a maior aldeia do Estado de Mato Grosso do Sul.

Chega à Promotoria de Justiça a informação da existência de crianças indígenas desnutridas e, em especial, o caso da pequena Yara* (nome alterado), que estaria em avançado estado de desnutrição e prestes a morrer.

Apurou-se que o pai da criança estava impedindo agentes da saúde de prestarem o atendimento devido.

Então, uma força tarefa foi formada com Ministério Público, Conselho Tutelar, Polícia Militar, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para a busca da criança, no interior da aldeia.

Chegando lá, houve indagação por parte de representantes locais, sobre a entrada em área indígena, alegando que não haveria possibilidade de tomada de ações.

Após alguns minutos, surgiu o líder da comunidade, o qual, após extensas conversas com o promotor de justiça e uma médica da FUNASA, sempre com vistas ao tratamento da criança, entendeu que era caso excepcional de "lei de crianças", como chegou a dizer, e assim possibilitou a entrada no local.
Interessante foi apresentar ao capitão da aldeia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) daquela forma, dizendo que era uma lei que preservava a vida das crianças, independentemente de serem "brancas" ou "indígenas".

Bom, deu certo.


Assim, foi iniciada a busca pela criança.


Após diversas horas pelas longas estradas e picadas da aldeia, a pequena Yara foi encontrada em visível estado de desnutrição.
O pai desaparecera ao ver aquele amontoado de pessoas e polícia juntos.


Resgatada, a criança foi levada em uma ambulância para tratamento médico, em um centro de atendimento, a Dourados (MS), cidade a 250 quilômetros.



Aproveitando aquela estada no interior da aldeia, vários outros casos de desnutrição foram diagnosticados.


Além da escassez de comida e água potável, o maior fator de desnutrição era a falta de informação e orientação à comunidade indígena.


A água e a comida consumidas ficavam expostas em potes, a céu aberto, junto a animais e sujeira.



Em razão disso, as crianças viviam em constantes diarréias e, por mais incrível que possa parecer, os pais aplicavam um princípio indígena de que, "se sai água do corpo, para parar, é preciso parar de dar água ao corpo".

 Ainda, havia um regramento certamente secular de que, se um filho está desnutrido, é fruto de "bruxaria" e, assim, "não podiam fazer nada senão tentar quebrar a bruxaria com rezas e benzimentos".


Caso não obtivessem sucesso, havendo outros irmãos, não adiantava dar comida ao filho "amaldiçoado", seria desperdício, sendo melhor aproveitar a comida para dar aos outros, deixando o enfermo definhar até a morte.



Outra questão enfrentada pelas aldeias indígenas era o alcoolismo.



Cestas de auxílio entregues aos pais pelo Estado, para cuidar da alimentação dos filhos, muitas vezes eram objetos de troca em mercearias da cidade (ou, clandestinamente, por índios ligados a determinadas facções internas), por bebidas alcoólicas, em geral pinga e cachaça.



Muitos índios, desse modo, viviam sem comida e embriagados, deixando os filhos à mingua e à própria sorte.



Em muitos casos, algumas mulheres indígenas chegavam até a tentar impedir seus maridos de realizar a troca da comida de seus filhos; contudo, eram violentamente espancadas e dificilmente tinham a quem recorrer, até mesmo pela posição de inferioridade ensejada pela cultura vivida.
Constatadas tantas questões de fundo a envolver aquele episódio da pequena Yara, passou-se a um trabalho de reflexão dos órgãos e entidades locais, com reuniões e ajuste de medidas.

Houve intensificação de orientações pela FUNAI e FUNASA, em questões sanitárias e nutricionais.


A Pastoral da Criança conseguiu empreender informações às mães indígenas, em assuntos ligados à conservação da água, preparo de comida e capacitação de membros da própria comunidade indígena para passarem as orientações aos demais, em língua guarani.
O Conselho Tutelar passou freqüentemente a atender casos no interior da aldeia, com apoio do chefe da comunidade, fazendo encaminhamento aos diversos setores da rede de atendimento, inclusive remetendo ao Ministério Público eventuais casos passíveis de análise jurídica.


Assim, apesar de se estar longe de alcançar a solução dos problemas constatados, pode-se dizer que o ECA, com atraso de cerca de quinze anos (hoje vinte), ingressou mais alguns passos na comunidade indígena local, a qual passou a conhecê-lo não por meio de suas letras e artigo;, mas, sim, por intermédio de algumas das ações e medidas nele previstas.



Ah, quanto a pequena Yara, hoje se encontra saudável e, conforme relatou a mãe, "não pára de comer”.



(Esse texto foi elaborado quando atuava em Amambai/MS, e foi publicado em “Causos do ECA”, no site do programa ‘Pro menino”).

terça-feira, janeiro 25

Favores ao rei, ao príncipe, ao amigo do príncipe, ao....

Correu nos últimos dias a notícia acerca da concessão de passaportes diplomáticos para familiares do ex-presidente da República.
Não bastassem as discussões acerca do alcance de referidas ‘exceções a interesse do país’, dois desses passaportes foram emitidos no dia 29 de dezembro de 2010, ou seja, a apenas dois dias do fim do mandato do hoje ex-presidente, conforme apurou o jornal Folha de S.Paulo.
Além do Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil condenou referida conduta.
Referida notícia surgiu logo após outra que já tramitava nos canais de midia, a de que o ex-presidente estaria com familiares a usufruir as instalações públicas das forças armadas na melhor praia do Guarujá-SP, não obstante não ostentar mais a função de chefe do executivo nacional (vide notícia: link).
Em sua defesa, o mantido Ministro da Defesa disse, então, que o ex-presidente estaria lá na condição de convidado.
Algo novo? Pois é, infelizmente não.
Já com a vinda das primeiras naus e caravelas, foram trazidos a solo pátrio grupos de prestadores de serviços do Reino de Portugal, boa parte formada de detentores de cargos honoríficos, de confiança e outras nomenclaturas para denominar a escolha dos enviados, muitos dos quais membros da mesma família dos responsáveis por tais ‘nomeações’ e escolhas.
O legado lusitano, advindo de um decadente período de terríveis perdas financeiras (guerras, gastos exorbitante para manutenção das extravagâncias da corte, nobreza e clero, etc), fomentou em muita a já existente promiscuidade entre os chamados ‘interesses do reino’ e vida privada.
É com a vinda da família real portuguesa, precisamente com a instalação da Corte Real Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1.808, que essa promiscuidade entre o interesse do reino e a vida privada se torna mais sensível e, porque não dizer, mais caracterizada nas linhas do que hoje se entende por nepotismo, apadrinhamentos, favorecimentos, sempre em prejuízo da população e das ‘personas não amigas do rei’.
Nesse desiderato, havendo o início de formação de um aparato administrativo para prestação de serviços e necessidade de estruturação política e organizacional do país, claramente se intensificou a possibilidade de inserção de ‘favorecidos’ em setores variados, até mesmo como forma de sobrevivência da Corte (para se manter respeitada e principalmente apoiada por nobres, aristocratas e pelos profissionais liberais que já existentes).
O historiador Laurentino Gomes, em excelente estudo sobre a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, destaca:
“A corte portuguesa no Brasil era entre 10 e 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana nessa época. E todos dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício em troca do ‘sacrifício’ da viagem”. (1.808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil. 2007, p. 188.)
O historiador Eduardo Bueno, destaca que já em Portugal, antes mesmo da montagem das estruturas administrativas no Brasil, postava-se comum o crescente ‘arrebatamento’ das funções administrativas por particulares e seus interesses:
“Com o passar dos anos, desembargadores, juízes, ouvidores, escrivães, meirinho, cobradores de impostos, vedores, almoxarifes, administradores e burocratas em geral – os chamados ‘letrados’ – encontravam-se em posição sólida o bastante para instituir uma espécie de poder paralelo, um ‘quase Estado’ que, de certo modo, conseguiria arrebatar das mãos do rei as funções administrativas. Esse funcionalismo tratou de articular também fórmulas legais e informais para se transformar em um grupo autoperpetuador, na medida em que os cargos eram passados de pai para filho, ou então para parentes e amigos próximos.” (BUENO, Eduardo. “A Coroa, a Cruz e a Espada – Lei, Ordem e Corrupção no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Objetiva. 2006, p. 34.)
Pois é... triste observar que após mais de quinhentos anos, vê-se em solo tupiniquim práticas já condenáveis e provincianas.
Assim, ‘considerando bem...’, para ser mais direto ao ponto, ainda que haja pendência de investigações, referida questão é - no mínimo - imoral e vergonhosa.
Aí toma espaço aquele chavão que alguns brasileiros safados em geral gostam: ‘ah, é imoral mas é legal!’
Isso é sempre discurso de safado e ponto!
Imoral afeta a moralidade e, em termos principiológicos, estando investido de posição de agente público ou aproveitando-se de tal estado (atual ou anterior..pelos 'contatos), está a ser contra o dever legal de agir com moralidade! Pronto: está ilegal!
É o que penso e o que acho justo para a vida pública.
Fora isso, podem até existir argumentos jurídicos a justificar referidas práticas; mas, minha ideologia moral, não levada por ventos atlânticos ou carimbos imperiais, não vão mudar!

segunda-feira, dezembro 27

Banalização da repressão ao tráfico de drogas; mitigação dos crimes hediondos; metas carcerárias; marginalização da vítima e sociedade; ampliação dos juizados especiais e política criminal: o condenado é você!



Sob enfoques variados, geralmente sob acaloradas discussões que recaem sobre individualista concepção do ser humano e sofística preocupação humanitária e social com o transgressor da lei, eis que normas, medidas e ações que visam evitar penas privativas de liberdade têm tomado crescimento semelhante ao próprio aumento da criminalidade.

Interessante notar, desde já, que não obstante argumentos românticos e visionários desses defensores do mundo sem grades e conduções coercitivas, aduzindo de forma genérica que a privação de liberdade a criminosos não ressocializa ou se posta eficaz ao combate à criminalidade, também é certo constatar que a onda de transgressões penais tem aumentado significativamente após a mitigação dos efeitos da Lei de Crimes Hediondos, permissão de substituição de pena para traficantes, verdadeira abolição penal ao usuário de droga, bem como a inserção de medidas ditas despenalizadoras.
Antes que incautos e acastelados academicistas já iniciem as críticas e partam para o já conhecido discurso de que é preciso investir em educação, saúde, políticas públicas, etc, vale asseverar que ninguém olvida que a causa da criminalidade e fatores que realmente fomentariam sua diminuição tem ligação a tais elementos sociais e de vida.
Ocorre que, se é certo que há de haver mudança em tais intempéries da vida em sociedade, também é certo dizer que esse discursinho do afrouxamento e da repulsa a privação da liberdade a todo custo, em razão de não haver ‘resolução do problema’, não passa de retórica de quem pactua com o crime, argumento de quem tem interesse na causa ou visão obliqua inerente aos apaixonados da visão romântica do bom selvagem.
A toda evidência há transgressões penais que devem – e merecem – uma análise e medidas não privativas; contudo, não pode haver uma amplitude inescrupulosa, abarcando crimes que afetam bens jurídicos relevantes e de significativo valor para vítimas e sociedade, só para atender os reclamos obscuros e funestos de governantes e detentores de poder (seja oficial, real ou paralelo), que nada mais é que evitar a superlotação de estabelecimentos penais ou mesmo a sua derrocada total por falta de vagas.
A digressão corrente acerca do Direito Penal Simbólico, Refratário, Segmentário, Ultima Ratio, etc, a qual possui seu valor e respeito, não pode ser envolvida e levada pelo ideológico chavão de que ‘não resolve’ e ‘não é a solução’.
Não se trata de ‘resolver’ ou ‘solucionar’; mas, sim, postar as normas codificadas, que nada mais são que expressão de caminhos visados para que haja possibilidade de vida em sociedade, com respeito às regras de convivência (sobrevivência?), para que se busque a preservação do mínimo de ordem e respeito, para que em outras searas (aí sim educação, saúde, etc) haja possibilidade do ‘trabalho em conjunto’.
O que não pode ocorrer é que se faça o ‘libere geral’, e, aí sim, instituído o caos, venha o iluminista anacrônico do tablado acadêmico, dizer que realmente está difícil viver em sociedade e lutar por políticas públicas.
Ora, se não houver os freios e contrapesos necessários para a mínima condição de vida em sociedade, como se buscará o funcionamento de setores que estão intrinsecamente ligados a valores, relações humanas, regras de conduta, conhecimento, análise crítica, respeito, etc?
Em pesquisas feitas nas ruas, qual não fora a surpresa ao ver que parcela significativa da população chegou a afirmar que na posição desse ou daquele agente político também cometeria determinados ilícitos (em especial a corrupção), como a chancelar suas ações, na máxima ‘não dá nada’ e ‘todo mundo faz’?
Aí vem a legislação (ah, ‘o legislador quis’...diria o professor na faculdade de Direito! Balela, a lei é feita por deputados e senadores, com todos seus vícios, desconhecimentos, erros e acertos, tendências, vontades, panos de fundo, pressões, etc) e o Judiciário a dizer que traficantes podem prestar serviços à comunidade; que o usuário de drogas (mesmo reincidente) que alimenta o tráfico  só deve ser levado a tratamento (porque se pune então o receptador? O discurso não é porque ele fomenta o roubo e furto...então...); que por não haver vagas em penitenciárias, homicidas e assaltantes podem só ‘assinar lista mensal no fórum’; que autores de morte no trânsito e que destroem famílias só devem pagar cestas básicas (quantos legumes valeu a vida de seu filho?), etc.
Volto a destacar: longe se está a advogar a falácia do direito penal como solução, tampouco pregar o encarceramento como medida para as diversas modalidades penais; contudo, da mesma forma que havia há tempos outros uma excessiva carga de segregação para toda afetação à norma penal, hoje está a haver uma banalização da resposta criminal, com abissal sentimento pela população de que violar as normas no país ‘não dá nada’ e ‘não existe justiça’.
E aí vale a pergunta: quem mais está a observar essa nova realidade de afrouxamento das leis e decisões judiciais?
Os alunos de Direito? Ternos e taiers do mundo jurídico?
Não, fora ‘Sua Excelência, o Criminoso’!
Prega-se o discurso de que os ‘barões do tráfico’ é que têm que ser levados à cadeia...
Como – indago aos engravatados autores de livros de teses laxistas ou que conhecem a vida real somente em páginas A4 de processos – será que esses barões se tornaram quem são e como se mantém nessas condições?
Somente o alienado social não sabe que o tráfico se dá por um sistema complexo e capilarizado, onde somente há distribuição de drogas a viciados, criminosos, jovens e mesmo crianças, porque há quem transporta do produtor ao fornecedor (ah, a tal mula...que é solto porque é...mula!) e há os distribuidores, chamados vulgarmente de ‘aviõezinhos’ (ah, aquele que é solto porque sempre é pego com uma ou duas paradinhas...e ainda que seja o responsável direto pela entrega da droga a quem vai usá-la e lhe assaltar drogado ou estuprar sua filha porque ‘estava bem louco’, é apenas um aviãozinho...vítima do sistema...valha!).
Eis a interessante forma de pensar dos verborrágicos defensores da mitigação de pena a mulas e aviõezinhos.
Querem pegar o ‘bandidão’...mas só o ‘barão’...o ‘empresário do tráfico’...que além de estar encastelado e muitas vezes enfronhado nos meandros do poder (até o mais poliana dos seres sabe disso); entretanto, até que isso aconteça, permite-se que a ‘empresa criminosa’ continue seus negócios.
Volta-se a destacar - para manter ventilada a mente do crítico voraz - que não se olvida em momento algum a necessidade de sempre se trilhar a implantação de políticas sociais eficazes; entretanto, não há como se afastar totalmente medidas mais drásticas em variados casos, como o apresentado acima.
Ademais, se é certo que houve avanços com a mitigação da penalização com o advento dos chamados Juizados Especiais Criminais, também é certo que se perquirir uma tratativa amena com base na pena dos delitos postou os diversos bens jurídicos tutelados ‘num único balaio’, gerando enormes descontentamentos, principalmente perante a base mais desfavorecida da população.
Comumente se diz que o direito penal visa ao pobre, já que somente a ele é que incide seus tentáculos e sanha repressiva. Ocorre que a maior parte dos delitos hoje abrangidos pela Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais), os chamados ‘delitos de menor potencial ofensivo’, são justamente os que mais importunam, afetam e cotidianamente estão presentes frente à maior parcela da população.
São ameaças, violências domésticas, lesões corporais leves, dano ao patrimônio, abuso de autoridade (pasme...abuso de autoridade é de ‘pequeno potencial ofensivo!), as quais são diariamente subjugadas as vítimas da sociedade transgressora e que se deparam com medidas que longe estão de atender seus anseios ou suas ‘concepções de Justiça’ (não de vingança, caro crítico garantista tupiniquim!).
A instituição da cesta básica, à míngua de estrutura adequada às chamadas penas restritivas de direito, aliada a inércia do executivo na implementação de meios, somada a burocrática lupa legalista do Judiciário para enfrentamento da omissão estatal, gera a busca de se tentar ‘fazer valer a lei ainda que por meios outros’, gerando isso tudo: banalização da responsabilização do transgressor, ridicularização do jus puniendi do Estado, descrédito das leis e normas vigentes, sentimento de impunidade e possibilidade de transgressão, transvalorização de valores e aumento da criminalidade.
Abarrotam-se Termos Circunstanciados de Ocorrência nas prateleiras de delegacias e fóruns, em procedimento agora enxutos e sem maiores entraves, que não demandam tramites complexos... por que?
Novamente virá o ainda defensor do ‘laissez faire, laissez passer do direito penal ou do romantismo de primeira geração, para apregoar que em países do primeiro mundo (hum, desconfie de quem parou na retórica de ‘primeiro’ e ‘terceiro mundo’, geralmente também perdido em rótulos como ‘de direita’ e ‘de esquerda’, etc) a ‘tendência’ (agora direito é moda?) é a despenalização ou mitigação do direito criminal.
Talvez por desprezar a natureza e peculiaridade desse povo varonil, é que os enlatados normativos sejam tão destoantes da realidade e venham a propiciar, como cotidianamente se vê, reações de indignação e inconformismo frente a aprovações de leis ‘que pegam ou não pegam’ e decisões ‘conforme ou destoante’ o ‘espírito da lei’.
Arrepiam-se esses doutos, que se valem de pensamentos adquiridos em universidades estrangeiras, ao ver que aqui na terrinha tropical, alguém que desforra o patrimônio alheio, bem esse ganho com suor e honestidade, com significativa carga de importância porque lhe é um bem útil e necessário, poder ser encarcerado em razão do furto desse bem.
Ora, então por que trabalhar e respeitar o próximo, não é mesmo?
Afinal, bastar a essa horda de desprovidos de senso moral e ético (não me venha o crítico falar de miséria, que não é o caso) tomar seu bem, porquanto virá um senhor ‘Supremo’ das leis, dizer que esse bem – poxa, seu bem – é insignificante e que nada há que ser feito ‘em esfera criminal’, que deve ser ‘a ultima ratio’...
Da próxima vez que precisar de uma bicicleta, de um celular, de um capacete, de um botijão de gás, e outros tantos bens que esses doutores gostam de dizer que não estão ‘protegidos pelo direito penal’, vá e ‘meta a mão’, senhor José!
Não seja ‘o Mané de trabalhar para comprá-lo’!
Ah, por que não aproveita e passe a vender esse botijão furtado, já que se quem furta não é responsabilizado, o que se dirá de quem ‘passa pra frente’?
Nessa linha, por que também ligar para lei de direitos autorais e pagamento de tributos, novamente ‘dando uma de Mané’, se é possível piratear CDs e DVDs, já que os ‘homi’ já falaram que não dá nada (como o fez recentemente o TJMS)?
Aliás, se é assim, por que ensinar os filhos que não podem pegar o que não é deles, se o ‘mundo real’ não é assim, já que ele terá seus bens subtraídos com o Estado a dizer que é permitido?
E quando há uma ofensa que passa pela lupa opaca do direito mínimo, eis que se volta a ares iluministas, para somente haver aplicação da lei que leve, ao máximo, a preocupação da preservação dos direitos do indivíduo transgressor.
Reparou como, havendo dois cidadãos envolvidos - o criminoso e a vítima - mesmo já ultrapassada a cabível e válida preocupação processual (atenção: processual) de se resguardar os direitos do réu, há ‘tendência’ (novamente...) de se valorar muito mais a interpretação da lei a favor do réu que a cabível e possível hermenêutica em prol da vítima e da sociedade?
É cediço que durante a formação e discussões da Constituinte que originou os tópicos da Constituição Federal de 1.988, em especial o regramento dos direitos e garantias fundamentais, foram levados em consideração, de forma arraigada e indelével, não apenas o contexto histórico de afronta e avassalamento de tais direitos, como também o desnivelamento entre o poder do Estado e do indivíduo em si considerado.
Ocorre que hoje, com o novo panorama democrático e transparência das relações vivenciadas pelo país, com indiscutível acesso à informação e aos meios de proteção, não se pode aceitar aproveitamento e deturpação da real finalidade das normas e da própria Constituição Federal, que é a harmonia da vida em sociedade, inclusive com respeito aos direitos e garantias individuais...do cidadão de bem!
Por que, sendo também ‘cidadão’, a vítima e demais membros da sociedade têm que se ver tolhidos desses direitos, já que ‘Sua Excelência, o Criminoso’ tem prioridade de tratamento e uma violação a seu direito é posto em alerta, com luzes bastantes a ofuscar o direito dos demais?
Por que os seqüestros de pessoas de bem, as mortes em assalto, os estupros, os desvios de dinheiro público, as mortes em filas de espera em hospitais, entre outros, não acarretam vinda de ‘observadores internacionais’, de ONGs, ou mesmo mobilização de Comissões do Congresso, analistas do governo, grupo de atuações do Ministério da Justiça, etc?
A afetação ao direito fundamental do senhor, caro cidadão de bem, que teve o filho morto naquele seqüestro relâmpago, ou a filha da senhora que foi violentada e morta porque estavam acampando e criminosos que deveriam estar a cumprir pena no semi-aberto (ah, que ficção esse semi-aberto e aberto...) ou então sua genitora morta no chão do posto de saúde ante a falta de atendimento, é realmente inferior ou de ‘menor atenção’ que o direito de um encarcerado, pelo fato dele estar encarcerado, mesmo que ao cometer o crime (você não, você respeitou as leis, regras...é o ‘mané, lembra-se) sabia das mazelas pelas quais ainda passa o sistema penal?
Ah, calma senhor crítico, antes que abra seu livro em francês para passar sermão, apenas está sendo destacado que assim como se diz que há de se buscar melhorias nas políticas sociais, também é válido dizer que tais políticas sociais estão também ausentes aos ‘cidadãos de bem’!
E aí? Esses cidadãos, sobreviventes do colapso e descaso, mesmo vilipendiados em seus direitos, lutam e não entram no ‘mundo do crime’, por valores e respeito às leis vigentes!
Aí então vem o criminoso, para lhe ‘passar a vez’, tendo prioridade de tratamento, justamente porque não cumpriu as normas e não está nem aí para vítimas e sociedade?
Saia às ruas e pergunte às pessoas reais – não a personagens de crônicas de pseudo humanistas, de livros de autores que visam alcançar quem precise de argumentos para soltar tais presos ou mesmo de apostilas de cursinhos que pregam a linha deturpada do real garantismo – o que elas acham disso.
Costuma-se a dizer que os casos e as leis devem ser analisados, sempre, segundo a vontade da Constituição Federal.
Ora, se a Constituição é, por assim dizer, como a miniatura da fisionomia de uma nacionalidade, será que a norma constitucional e infraconstitucional não devem ser analisadas sob referida ótica, e não pela visão do que os acadêmicos alemães, franceses ou belgas acham?
Eis, nesse contexto, os tais Mutirões Carcerários, onde os processos de presos são postos de uma vez - prateleira e escaninhos abaixo - parando-se todos os demais feitos.
A senhora, prezada cidadã de bem, queria saber se o direito a alimentos de seu filho ‘vai sair ou não vai’?
Desculpe, o direito fundamentação aos alimentos para um ser humano em desenvolvimento terá que esperar o direito de ‘Sua Excelência, o Criminoso’, que matou, roubou, estuprou.... São regras ‘de cima’, com ‘metas’ a cumprir...
E mais, são criadas comissões e juntas de juízes para apreciação de cada processo. 
Princípio do juiz natural?
Olha, para julgar seu inventário parado há anos esse princípio vale e a senhora terá que esperar o juiz do caso mesmo...
Agora, para soltar ‘Sua Excelência, o Criminoso’, não se aplica...conforme decisões recentes que ‘carimbaram’ o atestado de ‘liberado’ em diversas argüições de inconstitucionalidade ou pedidos de providência pelo país a fora.
E a ordem é soltar quem ‘pude cumprir a pena em liberdade’. Sob quais critérios? Ah, já nem há mais paciência para dizer que critérios jurídicos são avassalados por interpretações variadas...na busca do ‘soltem’!
O que, não é isso?
Então veja os absurdos que estão a acontecer, onde até autores de roubo foram colocados em regime aberto, pois tinham ‘residência fixa, bons antecedentes, proposta de emprego, etc’...
Então, senhor bandido, ao cometer um roubo, isto é, meter uma arma na cabeça de alguém e arrancar o que quiser, não esqueça de andar com uma conta de energia para provar endereço certo, pegar um atestado de antecedentes (não se preocupe se já tiver algumas passagens, o importante é não ter condenação transitada em julgado...ou seja... só se você for muito, mas muito criminoso e não ter recorrido...) e pegue a assinatura do Zé da Borracharia dizendo que irá dar um emprego pra você (não coloque ‘caso precise’ senão demora um pouco a liberação!)
Irônico? Cômico? Isso é o que, de forma escrachada, está a ocorrer infelizmente em boa parte do país!
Não se iludem os novéis profissionais do direito ou mesmo os cidadãos que comemoraram a retomada do poder nos morros cariocas pelas forças de segurança: a idéia está a ser, ante a inoperância, descaso, interesses outros e reconhecida incompetência governamental (pois chega de dizer Estado, já que a omissão é de quem está na posição de comando e decisão, portanto, governo), evitar-se a prisão.
Assim, porque não há vagas, você, cidadão de bem, é quem deve conviver com o criminoso, colocar grades em sua casa, ter horário para chegar em casa, enfim, você é o condenado!
Só que seus direitos não terão prioridade...
Um exemplo de que o que está sendo informado é verdadeiro e longe está de ser mera indignação à essa inversão de valores, é o trâmite do projeto de lei que amplia a abrangência dos juizados especiais criminais.
A informação se encontra no site da Câmara dos Deputados, datada de 25 de outubro de 2010.
Vide site: click aqui.
Vale transcrever a parte do texto que justifica essa ‘vontade legislativa’ dos representantes eleitos pelo povo:
O objetivo da proposta, ao mudar a classificação, é reduzir a aplicação de penas privativas de liberdade, em razão da superlotação dos presídios. Conforme a lei, o Juizado Especial orienta-se por critérios de informalidade, economia processual e celeridade, aplicando, sempre que possível, pena não privativa de liberdade e determinando a reparação dos danos sofridos pela vítima”.

Observou bem o fundamento? Está ali, no texto: ‘em razão da superlotação dos presídios’.
Que mundo maluco é esse em que, por não haver vagas em presídios e não haver preocupação em melhorar o sistema penitenciário, pune-se então vítimas e sociedade, beneficiando Sua Excelência, o Criminoso?
Assim, já que os presídios estão lotados, solta-se todo mundo e cada um por si?
Veja cidadão, que a idéia de seus representantes é soltar a bandidagem; mas, por outro lado, você não poderá se defender usando arma, porque o Estatuto do Desarmamento veda (ou dificulta o máximo) a aquisição de armas de fogo (outra estorinha mal contada...).
Ah, imperioso dizer que tais autores e co-autores do libera geral sempre se valem do discursinho de que ‘continuará a haver processo’ e ‘penas não privativas de liberdade’, que são mais ‘ressocializadoras’, não ‘escolas do crime’... Aí ganham a simpatia da turma do oba-oba e dos românticos de plantão!
Vale sempre pincelar tais sofismas, também, com idéias de ‘outras paragens’, dizendo que na Alemanha é assim, na Suíça é semelhante e, não esqueçam, sempre deve constar que o direito penal é a última ratio!.
Aliás, sabe quais crimes seriam banalizados, ops, abrangidos por esse projeto de lei (PL-7222/2010)?
Considerando que passariam a ser ‘de menor potencial ofensivo’ os crimes apenados até 05 (cinco) anos, eis:

  • praticar maus-tratos a pessoa sob sua autoridade, expondo a perigo sua vida
2 meses a 1 ano
  • praticar o mesmo crime com lesão corporal grave
1 a 4 anos
  • furtar objeto alheio
1 a 4 anos
  • praticar lesão corporal
3 meses a 1 ano
  • praticar lesão corporal de natureza grave
1 a 5 anos
  • abandonar criança que esteja sob seu cuidado
6 meses a 3 anos
  • abandono de criança que resulta lesão corporal grave
1 a 5 anos
  • praticar sequestro e cárcere privado
1 a 3 anos
  • praticar sequestro e cárcere privado coantra idoso
2 a 5 anos
  • praticar estelionato
1 a 5 anos
  • induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem
1 a 3 anos
  • praticar o mesmo crime contra vítima menor de 18 anos
2 a 5 anos
  • manter casa de prostituição
2 a 5 anos
  • causar desabamento ou desmoronamento, provocando risco de morte
1 a 4 anos
  • ocultar ou inutilizar material de salvamento em incêndio ou outro desastre
2 a 5 anos
  • difundir doença ou praga
2 a 5 anos
  • provocar risco de desastre ferroviário
2 a 5 anos
  • atentar contra a segurança de transporte fluvial, marítimo ou aéreo
2 a 5 anos
  • poluir água potável intencionalmente
2 a 5 anos
  • falsificar documento particular
1 a 5 anos
  • destruir documento particular em prejuízo alheio
1 a 5 anos
  • usurpar função pública para obter vantagem
2 a 5 anos
  • utilizar-se do prestígio pessoal para influenciar autoridade
1 a 5 anos
  • expor alguém ao contágio de doença venérea, intencionalmente
1 a 4 anos


É ou não é o liberou geral?
Se crimes graves como homicídio, tráfico de drogas, roubo, furto, entre outros, já estão a ensejam liberdades variadas e penas simbólicas, o que se dirá aos novos ‘delitos de menor potencial ofensivo’?
Pois é, senhores e senhoras cidadãos da República Federativa do Brasil.
Eis o panorama do sistema vigente em nossa terra adorada.
O que fazer?
Desconfiar de argumentos enlatados do tipo ‘ultima ratio’, ‘direito penal simbólico’, ‘abolição penal’, ‘despenalização’, entre outras - e todos sob o pálio da demagógica estampa denominada ‘Política Criminal’ - é o primeiro passo.
Não aceitar e lutar contra tais posturas são os passos seguintes...
...de uma longa e árdua caminhada (de sobrevivência?).
Promotor de Justiça-Campo Grande : Mato Grosso do Sul : Brasil