terça-feira, agosto 24


              O CRIMINOSO E A NEUTRALIZAÇÃO DA CULPA

 

Cláudio da Silva Leiria*


Os criminosos em geral utilizam mecanismos psicológicos internos de autojustificação da própria conduta ilícita, ‘neutralizando’ ou minimizando as normais legais conflitantes com suas práticas delituosas.  Em outras palavras, esses mecanismos são uma forma de negar ou minimizar a própria responsabilidade no episódio delituoso.
Mencionem-se alguns desses mecanismos internos:
a)  A rejeição à responsabilidade - . o criminoso enxerga sua conduta delituosa como resultado de fatores acidentais (‘a ocasião faz o ladrão’). Simplesmente o crime decorreu de evento fortuito (estava no local errado na hora errada); ou praticado em razão das más companhias,  dificuldades financeiras ou desejos de consumo insatisfeitos . 
b)  A rejeição da vítima – aqui, o criminoso vê seu delito  como uma espécie de justo castigo ou merecida vingança contra uma vítima em melhores condições econômicas.   Essa espécie de argumentação é especialmente visível quando os alvos das ações delituosas são grandes redes de lojas, estabelecimentos comerciais ou bancos.  Na sua visão distorcida, o criminoso justifica sua conduta afirmando que ‘rouba de quem tem muito’, e que esse dinheiro não fará falta à vítima.
c) A condenação dos que condenam – o criminoso desvia a atenção de sua conduta delituosa para atacar os que o condenam.  Assim, o autor do ilícito desenvolve a idéia de que o crime e a corrupção estão presentes em todos os lugares, principalmente entre os juízes, policiais, advogados, promotores de justiça, e entre os ricos e a autoridades. Essa corrupção desqualificaria negativamente a decisão condenatória.   Ainda nessa linha, o criminoso vitimiza a si mesmo, acreditando que só está preso porque é pobre e pratica delitos de menor monta.
d)  A negação da prática injusta – por esse mecanismo, o criminoso sempre nega que sua prática ilícita tenha gravidade: o furto de automóvel é considerado um ‘empréstimo’, e as ‘vinganças pessoais’ e contendas físicas entre grupos rivais são ‘assuntos privados’, com os quais as autoridades não devem se preocupar.
e) Apelação a instâncias superiores – É um meio de justificação excepcional. Sem discutir em abstrato a validade da norma legal da qual se desviou, o criminoso tenta neutralizar a validade para seu caso específico, apelando para a solidariedade de grupo ou amizades influentes. Ocorre com freqüência em relação aos crimes de colarinho branco. 
f) Neutralização pela conversão religiosa – o criminoso se vê como um ‘novo homem, transformado pela religião.  Seus delitos anteriores são debitados ao ‘mal’, ao ‘diabo’ e outras influências espirituais malignas das quais ele foi ‘pobre vítima’.  
O conhecimento desses mecanismos psicológicos de autojustificação são importantes para que possam ser combatidos, fazendo com que o homem criminoso, ser dotado de livre-arbítrio, deixe de racionalizar sua culpa (atribuindo-a à sociedade) e assuma as responsabilidades pelos atos delituosos que praticou.  Só assim poderá marchar rumo à ressocialização. 
[Cláudio da Silva Leiria é Promotor de Justiça em Guaporé/RS.]

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