segunda-feira, agosto 23


INTELECTUAIS E CRIMINOSOS

 [Dois Pesos -Duas Medidas]



Cláudio da Silva Leiria
No conto ‘O Cobrador’, Rubem Fonseca expõe os pensamentos de um serial killer que comete seus crimes por acreditar que a sociedade lhe deve algo. No ódio às classes mais abastadas, o ‘cobrador’ descobre o sentido de sua vida, passando a, seletivamente, matar seus ‘devedores’.
O conto retrata fielmente como a imensa maioria dos nossos intelectuais (escritores, artistas, sociólogos, ‘cientistas políticos’, juízes, advogados, etc.) vê e compreende o criminoso. 
Os intelectuais, produzindo livros, peças teatrais, filmes, etc., idealizam a figura do criminoso, mostrando-o sempre como uma pobre vítima da sociedade ou então como o ‘cobrador’ de uma dívida social.  Paralelamente, para reforçar essa falsa imagem, demonizam a polícia  e as elites.
Enaltecido com a doutrinação dos intelectuais, o criminoso sente-se à vontade para inverter os papéis: de acusado passa a acusador.  Lança sobre os ombros da vítima as supostas culpas da sociedade, eximindo-se de qualquer responsabilidade pela sua própria conduta.
Na visão esquerdista/comunista/marxista dos nossos intelectuais, a explicação para o crime é sempre dada pelos velhos chavões: pobreza e culpa das elites.  O discurso é um só: o bandido é um pobre ‘coitado’, enquanto a vítima é, inconscientemente, culpada. 
Nessa ótica vesga, a vítima é culpada por ser uma pessoa com alguma condição econômica e mais feliz do que o criminoso. O amargo assassino, matando, roubando, estuprando ou de qualquer outra forma dizimando a vítima, estaria somente resgatando uma injustiça social.
Os intelectuais brasileiros, em sua maioria, fingem não ver que inexiste relação determinística entre pobreza e criminalidade, e que as causas do crime são multifatoriais, tais como hedonismo, ausência de valores morais e religiosos, busca do lucro fácil, maldade, degeneração.
Os nossos intelectuais fomentam a criminalidade ao promover teorias de indistinção moral, igualando cidadãos honestos a criminosos, sob o pretexto de rejeição a simplificações maniqueístas;  defendendo teorias de ilegitimidade punitiva, pois, absurdamente negando o livre arbítrio do criminoso, pintaram-no como pobre vítima de condições socioeconômicas adversas; descaracterizando o malfeitor como ele é na sua essência: um predador dos direitos humanos; considerando titulares de direitos humanos só os delinqüentes, esquecendo-se propositalmente de suas vítimas; propugnando por aplicação de penalidades muito aquém da gravidade dos delitos praticados pelos criminosos.
Ainda, os intelectuais, especialmente dos meios jurídicos, atacam a Lei dos Crimes Hediondos, que é uma das garantias dos direitos fundamentais previstos na Constituição; negam qualquer participação do povo (que exige punições mais severas para os delitos) na elaboração de uma política criminal, assumindo, assim atitude antidemocrática e elitista; pregam o abolicionismo penal, pugnando pela supressão de qualquer forma de prisão; defendem com unhas e dentes a impunidade de adolescentes infratores; sustentam que a reincidência penal não teve ter como conseqüência qualquer aumento da retribuição punitiva aos celerados; atacam o direito de propriedade, patrocinando e dando suporte ideológico à invasão de terras pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), além de fazerem demonstrações públicas de solidariedade aos seus líderes.
O cidadão de bem ainda tem de ouvir o irritante discurso dos intelectuais de que são ‘as elites’  que pedem rigorosas punições quando se sentem ameaçadas, como se estupros, assassinatos e roubos não fossem condenáveis, independentemente da classe social de autores e vítimas.
Concluindo, é forçoso reconhecer no aumento da criminalidade a imensa parcela de culpa dos nossos intelectuais.  Sua condescendência criminosa com a violência, seu desprezo à dor das vítimas e o endeusamento dos facínoras foram o campo fértil no qual germinou a semente que deu origem à frondosa árvore da criminalidade.


[Cláudio da Silva Leiria é Promotor de Justiça em Guaporé/RS.]


[Nota da Editoria: O jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves,  foi condenado a 19 anos, 2 meses e 12 dias de prisão pelo assassinato de sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, 32, em agosto de 2000, continua solto e gozando a vida, mostrando que Justiça no Brasil às vezes tem dois pesos e duas medidas.]
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4 comentários:

  1. Não chego ao ponto de culpar os intelectuais dessa maneira, mas uma consequência dessa forma distorcida de ver o crime é a condenação prévia da pobreza. Afinal, a partir do momento em que acreditamos que um criminoso comete um crimes por ser um pobre injustiçado, isto nos leva a considerar todas as pessoas pobres e injustiçadas como possíveis criminosos, contribuindo para aumentar o preconceito social e criminalizando a pobreza.

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  2. Mariana,
    Obrigada PELA LEITURA
    Concordo com cada palavra sua, todavia, concordo tb. com Promotor no que tange a intelectualidade corporativista togada da Realeza dos operadores de Direito e dos nossos Legisladores.
    Ontem, no prédio ao lado do meu, um rapaz de 17 anos, arrombou um apartamento, amarrou uma senhora de 76 anos, roubou o que quis, depois matou a senhora-d. Diva com o martelo de bife. Fui ver,pq. a filha ,minha amiga estava passando mal - tem arritmia cardíaca, ainda estou com a cena gravada nos olhos. O garoto? Detido e encaminhado para o abrigo de menores.

    O BANDIDO DE 17 ANOS É ELEITOR, MAS NÃO É IMPUTÁVEL.
    ISTO SE REPETE DIARIAMENTE EM CADA CANTO DO BRASIL.
    Estou tão revoltada , que esta a causa de enviar o artigo de hoje.
    Abs,anamerij
    PS. O garoto-bandido é filho de um engenheiro , e mora na zona sul.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Ilmo Sr. Promotor de Justiça,

    Creio que foi muito bem fundamentada a sua tese e é, sobremaneira, importante recomendar a leitura do seu artigo a todos que operam nas vias jurídicas e, principalmente, para aqueles que exercitam a crítica na imprensa jornalística desse país. Os cidadãos andam às viseiras e creem existirem na vida real as formulações dos enredos de novelas.
    Congratulações,

    Bruno Ramos

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